quarta-feira, 22 de junho de 2011

"Once I wanted to be the greatest
No wind or waterfall could stall me
And then came the rush of the flood
Stars of night turned deep to dust"
Fim de dia.
É correndo que sorrio ao meu caminho, de olhar fixo na meta.
É?
O chão treme... Ou será este corpo que tomo por meu?
Olho de súbito para trás do ombro, mas não vejo o caminho que trilhei...
Vejo passos de bébé, ténues que se somem com o vento...
E o vento questiona-me, intrigado, ao ouvido:
 "Que fazes aqui, neste caminhar que não és tu?"
O vento treme-me nos lábios e mordo os lábios e mordo as palavras, 
mas as palavras mordem os lábios e tremem nos meus olhos,
e ecoam em mim:
não consigo.
não consigo.
não consigo.
E o ar doi ao respirar.
não consigo.
não consigo.
não consigo.
E sufoco.
E ecoo-me de encontro ao chão que sou
E o chão que sou afinal não é de rocha forte.
  E afinal desfaço-me em milhares de cristais de gelo seco,
que ecoam
não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.não consigo.
.
O raiar do alvor dia derrete o ecoar gélido dos medos e dos vazios.
Mas o sorrir... Não sei para onde foi.




segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Mãos
Hoje acordei com uma vontade (urgência) de tuas mãos... Mãos que as minhas ainda não conhecem, mas que as sonham ao acordar junto às minhas, aninhadas nas minhas, todas elas minhas e todas as minhas tuas. E fiquei na cama toda eu dentro das tuas mãos, vendo-nos andando pela rua lado a lado, mãos nas mãos, por entre a multidão de pessoas aceleradas, todas iguais. As nossas mãos tocando-se pela primeira vez, timidamente, com o nervosismo tremer dos primeiros encontros, o bater acelerado do coração nas pontas dos dedos, o descobrir de cada linha da tua pele a cada passo que damos... E os teus dedos entrelaçados nos meus, os meus dedos dançando por entre os teus, a tua pele dentro da minha... As nossas mãos a fazer amor, sem mais mundo à nossa volta, as mãos a fazer o nosso amor, todo o mundo é só nosso, o amor a fazer as nossas mãos e nada faz mais sentido que isso.
Acordar de novo e amanhecer-me.

Há sempre uma noite em que de mansinho fugimos de nós.
Há sempre um rasgar de algemas e um salto de dentro do sono, para acordar dentro de um sonho.
E é com um olhar e um sorriso que apagamos o mundo e tudo quanto há à nossa volta, para ficarmos mais perto do céu.
E é à lua que pedimos uma alma emprestada.
E é com estrelas que colamos os pedacinhos soltos do coração.
E é com volúpia que me deito ao lado de mim mesma.
Adormeço.
Rasgo o casulo, espreguiço as asas, bebo a luz da aurora e voo livre, de encontro à paz.




terça-feira, 18 de janeiro de 2011

"Já não chorava, mas os seus olhos nunca mais voltarão a estar secos, que esse é o choro que não tem remédio, aquele lume contínuo que queima as lágrimas antes que elas possam surgir e rolar pelas faces”
J. Saramago, "O Evangelho segundo Jesus Cristo"

domingo, 2 de janeiro de 2011


I
(Outono / Inverno)
           O dia em que a musa ficou desempregada chegou sem aviso prévio e sem que ela pudesse dar conta. Quando reparou, já estava em queda livre do alto do pedestal, feito de estrelas e flores, que outrora o  mestre lhe erguera com amor. Caiu aos trambolhões desajeitados, ainda trôpega, ainda embebida no doce néctar dos deuses. Cada vez mais perto do solo, via o que outrora fora seu dedicado rumando em sentido contrário a si, tornando-se cada vez mais ténue até desaparecer para o lado de lá do horizonte. Aí, sentiu nos lábios o gosto frio e enlameado do chão e abraçou-o como irmão. Então, embalada pelas chuvas de Outono, adormeceu na doçura de um sono sem sonhos.

II
(Primavera)
Quando os primeiros raios de sol primaveris lhe beijaram o rosto, foi acordando devagar, tentando abrir os olhos ainda cegos com tanta luz. Sorriu e quis erguer-se. Mas a tristeza e a solidão criam raízes fundas, tornam-se vício e tornam-se conforto. Era a custo que se ia levantando, caco a caco, quase átomo a átomo. Por vezes, olhava o céu e julgava ver o que fora seu amado, mas eram apenas as linhas de uma nuvem marota e ilusória. Tais distracções faziam com que não reparasse no sussurrar da tristeza, feito canto de sereia e feito brisa, que a fazia desmoronar de novo de encontro ao chão. Tal como no mito de Sísifo, foi árdua a tarefa de rolar a pedra (que ela própria era), átomo a átomo, montanha acima.
Já de pé, teve de reaprender a andar sozinha, pé ante pé, passinhos de bebé.

III
(Verão)
Foi sem remetente que lhe endereçaram um mapa-mundo. Escolheu um caminho ao acaso e partiu. Mas as expectativas, a excitação, a ânsia do primeiro voo, da novidade da descoberta de uma nova vida dentro da vida, de outro pensar, de outro aprender… foram perdendo o sabor nos dias nublados e chuvosos de um verão que não sabe a verão. E, a cada dia passado, crescia uma urgência em regressar, como se só isso lhe trouxesse de novo um sentido.
IV
(Outono)
O regresso não trouxe o conforto desejado, mas sim uma sensação de estranheza, de quem se esquece aonde pertence. Havia quem lhe falasse da sorte que tinha, do sucesso, do quanto cresceu, da interessante e bela mulher em que se ia tornando… Mas se outros lhe invejavam a sorte, o sucesso, a beleza, porque é que ela se sentia uma coisa amorfa e opaca? Há sempre qualquer coisa que falta, algo que nem sabe o que é. Os dias traziam-lhe apatia e um peso que, que era como o peso de uma velhice de quem vive mais por hábito do que por vontade que querer viver.
V
(Inverno)
É noite no último dia de Dezembro, último dia do ano. É da janela que, a outrora musa, se debruça sobre mais um ano que passou. Há um sabor de inutilidade até nas coisas boas que teve. Lá fora, o som da chuva forte e dos pinheiros agitados pelo vento trazem-lhe uma inesperada calma e uma resposta: “É de mim que sinto falta… É de mim que sinto saudades!”. E é em busca de si que remexe nas fotos antigas, nos cadernos da escola, na caixinha das cartas recebidas (outras nunca enviadas) …
Olha-se ao espelho. Com espanto, dá-se conta de como a sua pele se tornou vítrea e não lhe deixa ver os contornos do seu corpo. O espelho reflecte um quarto vazio e no centro apenas um coração de mármore branco, rígido e frio.
.
 Epílogo
O longínquo relógio da torre da igreja anuncia a chegada do novo ano. E é no ecoar de cada badalada que se ouve um estalar de pedra e o renascer ténue do bater de um coração. 

 J. 31dez2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

1
"Inspired by the themes explored in the films of Hong Kong film director Wong Kar-Wai, this is a checklist of what to expect from modern love.

THINGS WONG KAR-WAI TAUGHT ME ABOUT LOVE

1. You will fall in love only once. Obstacles will prevail. The rest of your life is spent recovering.
2. Anything that distracts you from the pain of your loss is good. Some people are more successful in this regard than others.
3. Eroticising their objects will be the pinnacle of your sexual fulfillment.
4. Desire is kept eternally alive by the impossibility of contact.
5. The most potent way to exist is to occupy someone else's imagination.
6. Technology will only heighten your sense of desolation making you more keenly aware that no one is trying to call.
7. Hook up with someone. Live with them. Sleep with them. Tag along. Don't be fooled. You are only a transitory distraction. Ask for commitment. Declare your love. Watch the set up evaporate.
8. Some coincidences are deliberate."

Alice Dallow
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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

"Procura a maravilha.

Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.

No brilho redondo
e jovem dos joelhos.

Na noite inclinada
de melancolia.

Procura.

Procura a maravilha."
Eugénio de Andrade

sábado, 9 de outubro de 2010



AUSÊNCIA, por Jorge Luis Borges

"Hei de levantar a vasta vida
que ainda agora é teu espelho:
cada manhã hei de reconstituí-la.
Desde que te afastaste,
quantos lugares se tornaram vãos
e sem sentido, iguais
a luzes no dia.
Tardes que foram nicho de tua imagem,
músicas em que sempre me aguardavas,
palavras daquele tempo,
eu terei que quebrás-las com minhas mãos.
Em que ribanceira esconderei minha alma
para que não veja tua ausência
que como um sol terrível, sem ocaso,
brilha definitiva e desapiedada?
Tua ausência me rodeia
como a corda à garganta.
O mar no qual se afunda."

terça-feira, 7 de setembro de 2010

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E sempre para ser feliz viveu, numa terra onde as casas são livros de histórias, escritos de pernas para o ar.
A menina andava sempre descalça, tinha um vestido tecido com cordões de sapatos e desenhava a cada passo caminhos de Luz no Abismo.
Ouvia o eco do seu silêncio rebentar em rosas, semeadas ao vento com restos do que fora tristeza.
A cada segundo precipitava o seu corpo, ora para um lado, ora para o outro e, nesses voos vertiginosos, percorria a tela das profundezas do seu ser e ia retocando a pintura da essência aguçada das suas coisas, dos seus sentidos, do seu eu.
Do lado de dentro via a noite habitada por oceanos e do lado de fora via dias habitados por desertos.
E o fora e o dentro espelhavam-na numa linha de horizonte que era uma janela e que era a menina.
Era uma vez...
Uma menina que fez da solidão abraço, habitando o parapeito de uma janela onde o fora e o dentro se confundem, fundem e são o mesmo lado
...
E o fora e o dentro espelhavam-na numa linha de horizonte que era uma janela e que era a menina.
Do lado de dentro via a noite habitada por oceanos e do lado de fora via dias habitados por desertos.
A cada segundo precipitava o seu corpo, ora para um lado, ora para o outro e, nesses voos vertiginosos, percorria a tela das profundezas do seu ser e ia retocando a pintura da essência aguçada das suas coisas, dos seus sentidos, do seu eu.
Ouvia o eco do seu silêncio rebentar em rosas, semeadas ao vento com restos do que fora tristeza.
A menina andava sempre descalça, tinha um vestido tecido com cordões de sapatos e desenhava a cada passo caminhos de Luz no Abismo.
E sempre para ser feliz viveu, numa terra onde as casas são livros de histórias, escritos de pernas para o ar.

sábado, 21 de agosto de 2010

Mal de mim que me não sei dar pela metade.
No fim fica só um buraco no peito
E uma teia de gotas de água e sal,
No lugar onde outrora habitara um coração.
Never Give all the Heart

Never give all the heart, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passionate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that's lovely is
But a brief, dreamy. Kind delight.
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost.
W.B. Yeats



terça-feira, 8 de junho de 2010

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O tempo é areia que escorre por entre os dedos.
E, quando damos conta, já temos um grande monte de areia junto aos pés.
E perguntamos como é possível tudo passar tão rápido.
E é quase em vão que procuramos qualquer caminho de volta ao primeiro grãozinho.

Às vezes gostaria de pedir-te que me emprestasses mais um grãozinho do teu tempo, mas não quero arriscar-me a deixar de ser de grão de areia a teus pés para me tornar numa pedra incómoda no teu sapato.

E, no entanto, é tão bom andar descalço...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Há sempre uma noite em que de mansinho fugimos de nós.
Há sempre um rasgar de algemas e um salto de dentro do sono, para acordar dentro de um sonho.
E é com um olhar e um sorriso que apagamos o mundo e tudo quanto há à nossa volta, para ficarmos mais perto do céu.
E é à lua que pedimos uma alma emprestada.
E é com estrelas que colamos os pedacinhos soltos do coração.
E é com volúpia que me deito ao lado de mim mesma.
Adormeço.
Rasgo o casulo, espreguiço as asas, bebo a luz da aurora e voo livre, de encontro à paz.

Tudo o que escrevo é para mim.
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segunda-feira, 17 de maio de 2010

Há dias em que nego a tristeza.
Outros dias há em que a tristeza me nega e me toma por sua, sem pedir licença.
Faz-me acreditar que nunca serei boa em coisa nenhuma, que estou destinada a ser sempre medianamente suficiente em algumas coisas.
Sussurra-me ao ouvido que sou uma farsa e tremo de medo que os outros vejam cair a máscara que nem eu sabia ter no rosto.
E sinto-me mais um parvo alegre, do qual todos sorriem à sua tolice, de quem anda com a cabeça na Lua, a sonhar com mundos que não são seus.
Tenho ciúmes de tudo o que eu gostaria de ser e acabo por ser nada que valha a pena gostar.
E não sirvo para viver nem dentro das histórias, nem dos poemas, nem das fotografias.
E dou-me conta de que a única coisa que sei fazer é afastar de mim as pessoas de quem gosto mais.

Declaro que desisto. Do que não sei ser. Do que não sou. De mim.
Fecho o casulo e faço-me larva.

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Há sempre qualquer coisa de ti, que vive dentro de mim.
Há sempre vestígios dos teus lábios, que se alimentam da minha luz.
Há sempre traços das tuas mãos, que fazem das sombras a casa onde habito.
Há sempre um rio que não desagua, uma melodia desafinada, uma pintura vazia, um novelo de nós que não se desatam, a metade de um abraço que fica sempre por dar.
Há sempre o teu eco, que tece o meu horizonte.

Tudo o que eu escrevo, é sempre para ti.
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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Como o rouxinol abracei em meu peito o espinho de uma rosa.
E pedi ao coração que largasse o que há em vão.

Como o rouxinol cantei noite inteira, até perder a voz.
E pedi ao coração que deixasse o espinho entrar mais fundo.

Mas do coração não fluiu sangue, nem água, nem lágrimas, nem nada.

E, quando o horizonte se fez manhã, a rosa floresceu murcha, fez-se pó e fez-se vento.
(Só no coração ficou o espinho, junto aos outros que por lá habitam.)
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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Partiu e ninguém sentiu a sua falta.
Não houve abraços, nem beijos demorados, nem uma lágrima marota no canto do olho.
Levou na mala só os braços vazios.

Saiu no alvor do dia, sem mapa nem bússula, guiada pelo ritmo dos seus pés em movimento.
Atirou as chaves ao rio e a mala aos pardais.

Trocou as horas por flores e das flores fez palavras.
Semeou as palavras ao vento e do vento colheu o silêncio.
Do silêncio nasceu a música.
Na música enlaçou-se a dança.
E dançou... dançou... e dançou... até adormecer embalada num rodopio.

Acordou, espreguiçou-se, esfregou os olhos e abriu a janela.
E deu-se conta de que nem sequer chegara a partir.


A manhã é sempre mais bela.


quarta-feira, 5 de maio de 2010

Pergunto ao espelho:
- Que fazer quando se gosta sem ter a noção de que o amor tem fim?
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domingo, 2 de maio de 2010

Pergunta-me a Solidão:

- Que há lá fora que não tenhas aqui dentro?
É mais fácil viver dentro de um livro de histórias.
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"Qual dos dois ganhará a luta no teu coração?
- Aquele que eu alimente."

Lição nº zeromil zerocentos e zerenta e zero:

Não adianta, não vale a pena, é inútil, lamentar e pedir desculpas quando se sabe que nada vai mudar.
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sábado, 1 de maio de 2010

A Solidão pousou as suas pesadas malas, vazias como as levara.
Bebeu-me as lágrimas e os olhos a longos tragos.
E abriu uma gaveta e plantou lá nascentes e ribeiros e rios e mares.
Mandou-me ir na corrente.

Mas no meu mar revolto, desenhei as ondas ao contrário, roubei-lhes a espuma e escondi-a no bolso, soprei-as de encontro ao horizonte e tapei a luz do sol com um castelo de areia.

E, confusos, vieram os peixes todos à tona, as algas, os corais, conchas e pedrinhas coloridas, os caranguejos e as tartarugas.
E cercaram-me as gaivotas, batendo as asas descontentes com tamanho alvoroço.
(Mas, ao verem tanto peixe, agradeceram-me o almoço!)

E eu pirei-me de mansinho,
mais vale voltar para o meu cantinho,
que eu sou marinheira de alguidar,
E não sei ler o mar!

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sexta-feira, 30 de abril de 2010


Limpei o pó, varri o chão e as teias de aranha.
Enchi as jarras de flores, as mais bonitas do jardim.
Fiz assados, bolos e tartes.
Vesti o vestido vermelho, pintei as unhas e os lábios.
Pus na mesa a toalha de linho e abri o vinho que há tanto tempo te esperava.
...
Fecho as cortinas e apago a luz.
Sê bem-vinda Solidão, de regresso à tua casa.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

"E ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia"

Al Berto

segunda-feira, 17 de novembro de 2008


Canção dos abraços

"São dois braços, são dois braços
servem pra dar um abraço
assim como quarto braços
servem para dar dois abraços

E assim por aí fora
até que quando for a hora
vão ser tantos os abraços
que não vão chegar os braços

Vão ser tantos os abraços
que não vão chegar os braços
prós abraços "

Sérgio Godinho
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terça-feira, 11 de novembro de 2008


"Estava eu sentado, perto do mar, a ouvir com pouca atenção um amigo meu que falava arrebatadamente de um assunto qualquer, que me era apenas fastidioso. Sem ter consciência disso, pus-me a olhar para uma pequena quantidade de areia que entretanto apanhara com a mão; de súbito vi a beleza requintada de cada um daqueles pequenos grãos; apercebia-me de que cada pequena partícula, em vez de ser desinteressante, era feito de acordo com um padrão geométrico perfeito, com ângulos bem definidos, cada um deles dardejando uma luz intensa; cada um daqueles pequenos cristais tinha o brilho de um arco-íris... Os raios atravessavam-se uns aos outros, constituindo pequenos padrões, duma beleza tal que me deixava sem respiração... Foi então que, subitamente, a minha consciência como que se iluminou por dentro e percebi, duma forma viva, que todo o universo é feito de partículas de material, partículas que por mais desinteressantes ou desprovidas de vida que possam parecer, nunca deixam de estar carregadas daquela beleza intensa e vital. Durante um segundo ou dois, o mundo pareceu-me uma chama de glória. E uma vez extinta essa chama, ficou-me qualquer coisa que junca mais esqueci que me faz pensar constantemente na beleza que encerra cada um dos mais ínfimos fragmentos de matéria à nossa volta. "

Aldous Huxley

Que bonitas são as coisas simples!

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quinta-feira, 6 de novembro de 2008

segunda-feira, 3 de novembro de 2008



"De olhos na falésia, espera pelo vento,
ele dá-te a direcção."

Vou. Parto sem mapas, sigo o vento. Perco a conta às viagens e são sempre de menos. Perco-me nas idas e nos regresos e já não sei qual é a partida e qual é a chegada, fundem-se e confundem-se os pontos, as linhas, os caminhos e os horizontes. Não sei onde principio e onde me torno finita. Que importam as definições? Quero ser sem definição. Às vezes quero até nem existir, porque o que não existe não tem fim. As partidas são regressos e os regressos são ponte para nova estrada. Que pena não ter perdido este autocarro... Muitos outros tenho à espera para perder, só para meu prazer.
Quando volto? Volto hoje, sempre hoje.

Gosto da espuma branca das ondas, quando se desfazem na palma de meus pés descalços.
E gosto quando o mar puxa de novo para si a água das ondas desfeitas e a areia foge debaixo de meus pés.


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domingo, 2 de novembro de 2008



website stats "Se eu largar eu sinto a sua falta
Se eu agarro ela perde a cor
Ela não é dos meus dedos
é dos meus medos
e faço-me passar por uma flor..."

segunda-feira, 13 de outubro de 2008


Pirata
Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
                        Sophia de Mello Breyner
Hoje o mar és tu.
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domingo, 12 de outubro de 2008


Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.
Albert Einstein
A
b
s
u
r
d
e
m
o
s

a vida
de leste
a oeste.
Bernardo Soares

quarta-feira, 16 de julho de 2008



"De profundis amamus

Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria

Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros

Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes

O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso"
Mário Cesariny